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Os rituais educacionais á luz da filosofia da linguagem de Wittgentein

Los rituales educativos a la luz de la filosofía del lenguaje de Wittgenstein

The Educational Rituals in the Light of Wittgenstein’s Philosophy of Language

Cristiane Maria Cornelia Gottschalk [1]
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Brasil

Os rituais educacionais á luz da filosofia da linguagem de Wittgentein

Sophia, Colección de Filosofía de la Educación, vol. 1, núm. 22, 2017

Universidad Politécnica Salesiana

Recepção: 15 Julho 2016

Aprovação: 20 Novembro 2016

Publicado: 01 Janeiro 2017

Resumo: A virada linguística promovida pela segunda fase do pensamento de Wittgenstein, em parte expresso em sua obra Investigações Filosóficas, influenciou fortemente a filosofia contemporânea e levantou novas questões para a filosofia da educação. Além de propiciar uma nova concepção de linguagem, seu novo método filosófico, também conhecido por terapia filosófica, possibilitou o esclarecimento de boa parte dos impasses e paradoxos da filosofia, em particular, os relativos aos conceitos de aprendizado, conhecimento, compreensão, pensamento, entre outros conceitos fundamentais do campo da educação. Meu objetivo neste texto será partir da crítica que Wittgenstein faz das observações do antropólogo britânico Frazer sobre rituais de civilizações antigas (publicada sob o título Observações sobre “O Ramo de Ouro” de Frazer), para esclarecer alguns equívocos educacionais nas pedagogias contemporâneas e apontar para a possibilidade de pedagogias que possam ser “preventivas”, no sentido de se evitar dogmatismos no campo educacional em todos os seus níveis, desde os presentes nas diretrizes mais gerais dos documentos oficiais até os que se instauram nas práticas cotidianas do contexto escolar. A conexão de sua terapia filosófica com as questões educacionais se dará prioritariamente através da ideia de que o contexto escolar também abriga seus rituais, os quais, a nosso ver, possibilitam o esclarecimento das questões sobre ensino e aprendizado, e, consequentemente, uma melhor compreensão do cotidiano escolar. Também recorrerei à uma recente teoria do significado de inspiração wittgensteiniana, a Epistemologia do Uso, para discutir o papel do professor em introduzir o aluno em jogos de linguagem, cujas bases “ritualísticas” de natureza convencional são vistas desta perspectiva epistemológica como sendo a condição para a aquisição de novos sentidos no contexto escolar, possibilitando, assim, a formação de alunos autônomos e críticos.

Palavras-chave: Rituais, persuasão, aprendizado, virada-linguística, Wittgenstein.

Abstract: The linguistic turn promoted by the second phase of Wittgenstein’s thought, in part expressed in his work Philosophical Investigations, strongly influenced contemporary philosophy and raised new questions for the philosophy of education. Besides providing a new conception of language, his new philosophical method, also known as philosophical therapy, enabled the clarification of many of the dilemmas and paradoxes of philosophy, in particular those related to concepts like learning, knowledge, understanding, thinking, among other basic concepts in the field of education. My goal in this text is to start from the criticism that Wittgenstein makes to the observations of the British anthropologist Frazer on rituals of ancient civilizations (published under the title Notes on “The Golden Bough” Frazer), to clarify some educational errors in contemporary pedagogy and point to the possibility of teaching methods that can be “preventive”, in order to avoid dogmatism in education at all levels, from those present in the most general guidelines of official documents to the ones established in the daily practices of the school context. The connection of his philosophical therapy with educational issues will be given mainly by the idea that the school environment is also home to its rituals, which, in my view, allow the clarification of questions about teaching and learning, and consequently, a better understanding of the school routine. I shall also turn to a recent theory of meaning under Wittgenstein’s inspiration, the Epistemology of Use, to discuss the teacher’s role in introducing the student to language games, whose “ritualistic” bases of conventional nature are seen in this epistemological perspective as a condition for the acquisition of new meanings in the school context, thus enabling the shaping of independent and critical students.

Keywords: Ritual, persuasion, learning, linguistic turn, Wittgenstein.

Forma sugerida de citar:

Gottschalk, Cristiane Maria Cornelia (2017). Os rituais educacionais à luz da filosofia da linguagem de Wittgenstein. Sophia, colección de Filosofía de la Educación, 22(1), pp. 125-146.

Introdução

Este artigo aborda o tema do cotidiano escolar de uma perspectiva da filosofia da linguagem, em particular, a concepção de linguagem presente na obra dos escritos intermediários do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Teremos como objetivo ressaltar a dimensão linguística e transcendental de práticas docentes no contexto escolar, envolvendo regras transmitidas, na maior parte das vezes, tacitamente, que desempenham um papel fundamental na compreensão dos conteúdos curriculares. O problema se coloca quando se desconsidera o aspecto tácito do ensino e atribui-se ao o papel de um mero facilitador da aprendizagem, restando a ele apenas a função de propiciar condições para o desenvolvimento de competências e habilidades em abstrato, e onde o conhecimento passa a ser visto não mais como um fim, mas como um meio para alcançá-las, priorizando-se, assim, o ‘saber fazer” em detrimento do “saber quê”. Esta abordagem pragmatista do ensino, a nosso ver, traz consigo dificuldades correlatas de aprendizagem, e retira do professor as suas ferramentas essenciais: os diferentes modos de apresentação dos conteúdos, que envolvem procedimentos de natureza convencional.

Em oposição à concepção indicada acima do trabalho docente, defenderei a ideia de que determinadas práticas no contexto escolar se assemelham aos rituais que estão na base de diversas culturas, no sentido de que são as condições para a constituição do próprio conhecimento, e não podem ser confundidas com informações acessadas pelos alunos - informações veiculadas em uma sociedade globalizada onde as tecnologias da informação têm tido uma expansão avassaladora. Também defenderei a ideia de que há uma dimensão ética intrínseca à esta atividade docente “ritualística”, na medida em que é através dela que o aluno é inserido em novas convenções de sua forma de vida, aprendendo a escolher, desde o início, dentre as diversas regras aprendidas, as mais pertinentes para a finalidade em questão, seja a resolução de um problema empírico, seja uma questão moral.

A importância e atualidade deste tema deve-se ao fato de que, cada vez mais, são propostos exames padronizados que têm como finalidade a avaliação do aprendizado dos alunos nas disciplinas escolares, reduzindo, assim, o ensino à preparação do aluno para a realização destes exames, e desconsiderando a relevância da avaliação formativa do aluno no contexto escolar, e a autonomia necessária do professor para realizá-la. Em outras palavras, pouca atenção tem sido dada efetivamente ao cotidiano escolar, e principalmente, ao papel do professor na constituição do “saber quê”.

Para esta reflexão, recorrerei às ideias do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, que desenvolveu um método caracterizado por ele como sendo análogo a uma “terapia filosófica”, com a finalidade de esclarecer confusões de natureza conceitual no campo da filosofia. Segundo ele, a maior parte destas confusões decorre de uma concepção referencial da linguagem a que os filósofos estão atrelados, levando-os a postularem pressupostos metafísicos que os enredam na linguagem. A nosso ver, estas confusões também estão presentes na filosofia da educação, quando se desconsidera os diferentes usos que fazemos de conceitos educacionais fundamentais. Para esclarecer algumas delas, pretendemos iniciar com parte da reflexão epistemológica de Wittgenstein, em particular sua crítica ao cientificismo presente na obra do antropólogo britânico, Sir James George Frazer, crítica que permite também esclarecer o cientificismo presente nas pedagogias contemporâneas, fundamentadas, em sua maior parte, em teorias psicológicas. Em seguida, aponto para algumas relações entre a abordagem antidogmática de Wittgenstein e a perspectiva de uma pedagogia “terapeutizada”, que leve em consideração a natureza convencional das condições de constituição do sentido.

Um dos principais resultados desta aproximação da reflexão de Wittgenstein sobre os rituais descritos por Frazer e a prática docente, é o de trazer à tona o aspecto persuasivo da atividade docente, componente fundamental para a constituição de sentidos no contexto escolar. O antidogmatismo do filósofo também nos serve de inspiração para sugerir a possibilidade de diretrizes pedagógicas de natureza preventiva, ou seja, que evitem os percalços de se desconsiderar os diferentes usos da linguagem na prática docente, que não se reduzem ao modus operandi dos cientistas. Concluo com ponderações sobre as relações entre os rituais escolares e o pensamento reflexivo e autônomo, sugerindo que o modus operandi do professor são condições não apenas para a ampliação dos modos usuais de pensar, como também para a formação ética do aluno. Com esta abordagem de inspiração wittgensteiniana, inverte-se, assim, a lógica pragmatista de que o professor seria apenas um propiciador de situações de aprendizagem ou de um promotor do “saber fazer” (o aluno deve “aprender a aprender”), na medida em que se procura ressaltar o seu papel fundamental como responsável pelos modos de constituição do “saber quê”.

Iniciemos, portanto, com algumas questões centrais da obra madura do filósofo austríaco, Ludwig Wittgenstein, com potencial de grande impacto na reflexão filosófica educacional.

A virada linguística de Wittgenstein

Para o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, a questão fundamental ao longo de toda a sua obra era resolver o enigma de como se dá a transposição do abismo entre linguagem, pensamento e mundo: como é possível a representação, a compreensão e a comunicação? Como é possível que o que faça sentido para mim também faça sentido para o outro? Em outras palavras, seu interesse era fundamentalmente averiguar as condições para a constituição e transmissão de sentidos. Ao longo de sua investigação sobre o papel da linguagem nos processos de atribuição de sentidos ao mundo, além de dissolver boa parte dos enigmas filosóficos que desafiavam os filósofos de sua época, Wittgenstein trouxe contribuições inestimáveis não só para a filosofia, mas também para inúmeros outros campos do saber: a antropologia, a psicologia, a filosofia da ciência, as ciências sociais, a filosofia da matemática, e mais recentemente, a filosofia da educação.

Uma das questões cruciais da filosofia da educação, por exemplo, é a compreensão dos processos de transmissão de sentidos no contexto escolar, que pode também ser expressa através das seguintes formulações: como sabemos que o que está sendo dito pelo professor é o mesmo que está sendo compreendido pelo aluno? Como avaliar esta compreensão? Como novos significados vão se constituindo ao longo da aprendizagem e qual é o papel do professor neste processo? Haveria um aspecto ético inerente a estas questões epistemológicas? Meu objetivo neste artigo não é o de dar respostas definitivas a estas questões, mas apresentar alguns apontamentos para o seu esclarecimento a partir da reflexão filosófica empreendida por Wittgenstein na segunda fase de seu pensamento, ao longo da qual ele concebe uma nova concepção de linguagem e também vai formular um procedimento de investigação, denominado por ele de “terapia filosófica” 1 .

Embora Wittgenstein tenha forjado conceitos chave para a aplicação de sua terapia filosófica aos problemas da filosofia, tais como, “jogo de linguagem”, “semelhanças de família”, “formas de vida”, “seguir regras” e “formas de vida”, dentre outros, irei focar no uso que ele faz da palavra “ritual”, presente em alguns de seus manuscritos considerados marginais pelos comentadores de Wittgenstein, publicados sob o título, Observações sobre “O Ramo de Ouro” de Frazer. Isto não significa que os conceitos acima não sejam acionados ao longo deste texto, mas apenas que a conexão de sua terapia filosófica com as questões educacionais se dará prioritariamente através da ideia de que o contexto escolar também abriga seus rituais, os quais, a nosso ver, possibilitam o esclarecimento das questões acima e, consequentemente, uma melhor compreensão do cotidiano escolar 2 .

O autor de O Ramo de Ouro, Sir James George Frazer, era um antropólogo britânico do início do século passado, que estudou as crenças e mitologias de antigas culturas clássicas em várias partes da Europa, descrevendo e comparando suas cerimônias e rituais. Como se sabe, Wittgenstein em suas anotações publicadas sob o título de Observações sobre “O Ramo de Ouro” de Frazer faz uma crítica contundente às análises do antropólogo, principalmente quando este afirma que a magia seria essencialmente uma física falsa, ou uma medicina falsa, interpretando os rituais destas culturas como hipóteses primitivas de como o mundo é, como se sua própria cultura (de Frazer) estivesse em um estágio bem mais avançado em relação a elas. Por exemplo, o fato de um destes rituais celebrarem a iminente chegada da chuva através de danças e cânticos, era interpretado por ele como havendo uma crença primitiva (subjacente a este ritual) de que este comportamento causaria as chuvas tão desejadas, crença que teria o caráter de uma hipótese pré-científica, ainda incipiente em relação às explicações mais elaboradas dos cientistas de sua época sobre o fenômeno da chuva. No entanto, como observará Wittgenstein em seus escritos, Frazer desconsidera o fato de que este ritual acontecia logo após a época da seca, ou seja, tratava-se na verdade de uma celebração dos tempos chuvosos que sucederiam, expressando-se valores cultuados por este povo, e não algum tipo de explicação de caráter pré-científico. Penso que esta e outras críticas que Wittgenstein endereçará às considerações cientificistas de Frazer são extremamente valiosas, não apenas tendo em vista responder a esta atitude dogmática do antropólogo e, consequentemente, antiética 3 , como também para o esclarecimento do papel dos rituais na constituição dos sentidos em geral e, em particular, nas dinâmicas escolares.

Veremos que em ambos contextos, tanto na descrição antropológica de costumes como na observação de práticas do contexto escolar, observa-se um mesmo espírito cerimonial, característico do ser humano, e que o distingue do animal.

Um mesmo espírito

Como é possível compreender, tornar inteligível, ações, palavras, hábitos e instituições que são muito distantes das nossas? Estaríamos diante de um Outro interior tão obscuro, ou mais ainda indevassável que o mundo interior de alguém que fizesse parte de nossa própria cultura? Na tentativa de desvendar práticas que nos parecem estranhas, estaria Frazer correto ao afirmar que as práticas ritualísticas de povos, aparentemente muito distantes do modo de vida ocidental de sua época, seriam de natureza hipotética, pré-científicas?

Como já mencionamos acima, contrapondo-se a esta perspectiva cientificista de Frazer, Wittgenstein esclarece ao longo de suas observações que as ações rituais desempenham um papel diferente das explicações das ciências, na medida em que possuem outro caráter, a saber, de expressar algo. Esta função expressiva dos rituais, segundo ele, não é exclusiva dos povos estudados por Frazer, mas também está entranhada em nossas ações cotidianas. Por exemplo, quando cumprimentamos alguém conhecido que encontramos na rua, ao fazermos determinados gestos de aprovação ou reprovação, ao sentarmos para apreciar um pôr-do-sol, ou ainda, quando participamos de uma missa ou de outras cerimônias religiosas, e também quando acreditamos que o sol vai nascer todos os dias, que um céu carregado vai trazer chuvas, enfim, inúmeros elementos do mundo empírico estão entrelaçados com as nossas crenças mais profundas, e que não descrevem nada. São apenas expressões de nossos sentimentos e/ou celebrações do nosso cotidiano.

Também o cientista ao fazer um experimento tem suas crenças e ações ritualísticas, como as de que o mundo existe, que o tubo de ensaio e todos os demais instrumentos de seu laboratório não vão desaparecer de repente, que o seu experimento em qualquer lugar do mundo, sob as mesmas condições, poderá se repetir e se obterá os mesmos resultados; enfim, nenhuma ciência considerada como tal na cultura ocidental prescinde de certos rituais e crenças vinculadas a eles. E a função expressiva destes rituais, ou gramatical como Wittgenstein dirá mais tarde, não se confunde com a de nossos enunciados hipotéticos-explicativos. Segundo o filósofo, os ritos são a forma de descrição, o que nos permite atribuir sentido a nossa experiência e organizá-la de determinada forma, eles próprios não explicam absolutamente nada. Estes modos de agir cristalizados em nossos hábitos e costumes, são como o olho que vê: podemos descrever o que está sendo visto (nosso campo de visão), mas não temos como ver o próprio olho. E estas perspectivas pelas quais vemos os fatos do mundo nos parecem tão naturais, que não as colocamos em questão. Ainda segundo Wittgenstein, daí venha, talvez, o mito de que nossa alma escolheu o corpo antes do seu nascimento, pois parece ser este o sentimento, de pertença:

Se uma pessoa tivesse a liberdade de poder nascer numa árvore de uma floresta: então haveria aqueles que selecionariam a árvore mais bela ou a mais alta, aqueles que escolheriam a mais baixa e aqueles que escolheriam uma árvore média ou menor que uma média; e entendo que eles o fariam não por filistinismo, mas pela razão, ou pelo tipo de razão, pelo qual o outro escolheu a mais alta. Que o sentimento que temos pela nossa vida seja comparável ao da pessoa que pôde escolher o seu ponto de vista no mundo, está na base, creio, do mito – ou da crença – de que escolhemos o nosso corpo antes do nascimento (OROF, p. 203) 4 .

No entanto, este comprometimento/engajamento pelo modo de ver o mundo próprio de uma forma de vida 5 , não significa de modo algum a impossibilidade de compreender outros pontos de vista. Embora Wittgenstein reconheça a dificuldade de vencer as barreiras da vontade para que outros cenários sejam descortinados e compreendidos, isto não impede que novas ligações de sentido possam ser estabelecidas, conectando visões aparentemente tão opostas. Eis a tarefa da terapia filosófica de Wittgenstein aplicada às observações de Frazer: tornar transparentes os fundamentos do sentido, mostrando a natureza convencional da organização de nossa experiência empírica. As consequências desta investigação têm uma conotação claramente ética, ou seja, não há um modo mais legítimo de organizar os fatos mais gerais da natureza, poderíamos inclusive, imaginar novos fundamentos para o sentido, como sugere Wittgenstein no exemplo abaixo:

Quão enganosas são as explicações de Frazer, vê-se – creio eu –, em que se poderia muito bem inventar os próprios costumes primitivos, e seria por um acaso se eles não fossem realmente encontrados em algum lugar. Quer dizer, o princípio segundo o qual esses costumes são ordenados é muito mais geral do que na explicação de Frazer, e está na nossa própria mente, de modo que podemos por nós mesmos conceber todas as possibilidades. (…) Pensemos que, depois da morte de Schubert, seu irmão cortou as suas partituras em pequenos pedaços, e deu aos seus discípulos preferidos alguns compassos desses pedaços. Este ato, como sinal de devoção, nos é compreensível do mesmo modo que o outro, as partituras intocadas, ninguém tendo acesso, preservadas. E se o irmão de Schubert as tivesse queimado, isso também seria compreensível como sinal de devoção (OROF, p. 196-97).

Assim, o que nos torna humanos não seria uma evolução unidirecional dos povos como descrita pelas ciências a partir das ideias de Darwin, por exemplo; mas exatamente as inúmeras possibilidades de compor e interpretar estes fatos, através de processos que abrangem uma espécie de “descolamento” de nossas reações animais meramente instintivas. Ainda em outro exemplo extraído da obra de Frazer, em que o antropólogo descreve o ritual do carvalho 6 praticado nas florestas da Europa entre os povos da antiguidade grega e latina, Wittgenstein ressalta que o que nos torna humanos dotados de um intelecto não é esta comunhão aparentemente indissociável entre homem e árvore, mas pelo contrário, um progressivo afastamento de nosso solo originário:

Poder-se-ia dizer que não foi a sua união (entre o carvalho e o homem) o que deu motivo a esse rito, senão talvez a sua separação. Pois o despertar do intelecto ocorreria com uma separação do solo originário, do fundamento originário da vida, de si. (O surgimento da escolha.) (MS 110, p. 298)

(A forma do espírito que desperta é a veneração.) (OROF, p. 204) 7

O rito, portanto, expressaria este afastamento que é anterior a uma explicação dos fatos. Contrapondo-se, mais uma vez, à interpretação da Frazer de que as ações ritualísticas fariam parte de uma atitude hipotética pré-científica perante os fatos, ainda incipiente e supersticiosa, Wittgenstein ressalta as diferentes formas possíveis de organização dos fatos mais gerais da natureza.

Que a sombra de uma pessoa, que vemos como uma pessoa, ou a sua imagem no espelho, que chuva, trovoada, as fases da lua, a mudança das estações, a semelhança e a diferença dos animais entre si e com as pessoas, as manifestações da morte, o nascimento e a vida sexual, em suma, tudo que as pessoas todos os anos percebem ao redor de si, se liguem de múltiplas maneiras entre si, é compreensível que desempenhem um papel no seu pensamento (na sua filosofia) e nos seus costumes, isto é claro, ou apenas o que nós realmente sabemos e é interessante.

Como poderia o fogo ou a semelhança do fogo com o sol deixar de causar uma impressão no espírito desperto do homem? Mas não talvez “porque ele não consegue explicar” (a tola superstição do nosso tempo) – Pois isso tornar-se-ia menos impressionante por meio de uma “explicação”? (OROF, pp.197-98)

Como Wittgenstein observa acima, as tentativas de explicação das ações ritualísticas apenas revelam projeções dos nossos próprios sentimentos sobre as práticas descritas. Aqui “a pá entorta”, como dirá Wittgenstein em seu conhecido parágrafo 217 das Investigações Filosóficas 8 , chegamos à rocha dura, e é assim mesmo que agimos. Se mesmo assim, insistirmos em extrair uma universalidade no comportamento humano, no máximo encontraremos na própria existência destas práticas um denominador comum, no sentido de que é através delas que organizamos os fatos mais gerais da natureza de modo diferentes e imprevisíveis e, neste sentido, não há fundamentos universais tendo em vista a produção de sentidos:

Eu não quero dizer que o fogo tenha que causar diretamente alguma impressão a todos. O fogo não mais, como qualquer outro fenômeno, é um fenômeno para uma pessoa e outro para outra. Pois, nenhum fenômeno é por si especialmente misterioso, mas todos podem vir a sê-lo para nós, e este é precisamente o característico no despertar do espírito do homem, que para ele um fenômeno venha a ter um significado. Poder-se-ia quase dizer que “o homem é um animal cerimonial” (2007, pp.198, grifo meu).

O fogo não causa algo que seria comum a todos os seres humanos, mas pode despertar o que Wittgenstein denominará de relações de sentido, cristalizando ações que pela repetição paradoxalmente afastam o homem do fenômeno natural, adquirindo um outro caráter, o de imagem, sentidos que vão se cristalizando e que se tornam razões para as nossas ações significativas. Esta oposição entre razão e causa, ignorada por Frazer e por parte de muitos filósofos, será um dos alvos de aplicação da terapia de Wittgenstein ao longo de toda a sua obra. Segundo nosso filósofo, a confusão se dá ao não distinguirmos relações causais das relações internas, de sentido. Por exemplo, quando o antropólogo britânico coloca no mesmo plano práticas ritualísticas e a formulação de hipóteses explicativas sobre o mundo, como antecedendo em alguma medida a descoberta de leis naturais. Esta posição de Frazer revela o quanto ele ainda está atrelado a uma visão canônica da ciência, que o leva a pressupor um desenvolvimento das comunidades humanas que teria como ponto inicial “os selvagens”, com seus rituais supersticiosos, que potencialmente progrediriam até nós, “os civilizados” 9 .

Contrapondo-se a esta visão civilizatória, Wittgenstein irá observar que também temos nossos rituais, ou seja, há toda uma mitologia presente na nossa linguagem que possibilita uma determinada compreensão do mundo, e não vice-versa: “Na nossa linguagem está assentada toda uma mitologia” (2007, p. 202) 10 .

Vejamos, então, algumas implicações éticas desta nova concepção de linguagem na obra de Wittgenstein, ao se olhar para as condições do sentido no interior da própria linguagem, e que interessam sobremaneira ao campo educacional, em particular, o antidogmatismo que preside toda a sua reflexão filosófica, como pretendemos mostrar a seguir.

O antidogmatismo de Wittgenstein

Para alguns autores, a luta de Wittgenstein contra o dogmatismo se mostra desde a primeira fase de seu pensamento tendo como finalidade a justiça como valor último a ser alcançado. Este valor, por sua vez, seria uma consequência de sua crítica à metafísica, que já teria vez no Tractatus Logico-Philosophicus 11 , na medida em que esta vertente filosófica envolve projeções dogmáticas e falsificadoras de pontos de vista filosóficos sobre a realidade. Segundo Kuusela (2008):

A luta contra o dogmatismo, por sua vez, é uma luta consigo mesmo e com os próprios preconceitos (onde quer que eles possam ter sido herdados).

Assim, a partir da meta de justiça exigências éticas se seguem. Pois, certamente, a exigência de auto-exame, ou mais concretamente, a demanda para se abordar os próprios preconceitos e outras tendências de pensamento que podem falsificar a percepção da realidade e levar à injustiça, é uma exigência ética (2008, p. 285).

Penso que, para além da finalidade de se obter justiça, haveria em Wittgenstein uma preocupação ética ainda mais fundamental, vazia de qualquer conteúdo e que perpassa toda a sua filosofia, que é a possibilidade de escolha –escolha, inclusive para transgredir o que é imposto ou herdado– um treino para liberar a vontade de posições dogmáticas em qualquer área do conhecimento e/ou forma de vida. Segundo Moreno, os enunciados éticos e estéticos ganharão conteúdo cognitivo no segundo Wittgenstein, mas não no sentido apresentado pelos cognitivistas, de que seriam passíveis de verdade ou falsidade, ou mesmo de uma ideia mais flexibilizada de correção ou incorreção. Trata-se, sim, de um consenso que vai se estabelecendo entre os indivíduos sobre o bem e o mal, a felicidade e a infelicidade, sobre o verdadeiro e o falso, um consenso intersubjetivo e gramatical através da incorporação de fatos do mundo por técnicas linguísticas diversas, os quais são erigidos em normas de ação e de pensamento, peculiares às diversas formas de vida. Estas formas de incorporação do mundo ao sentido, através de instrumentos linguísticos, têm seu fundamento elementar em ações de escolha voluntária, a partir de situações vividas sob a forma de um “solo originário”, como diz Wittgenstein. Normas e conteúdos éticos, estéticos e epistêmicos, até então indissociados, serão elaborados e distinguidos em jogos de linguagem complexos, mas guardarão as marcas de sua ligação íntima com o mundo, assim como da incorporação de fatos do mundo à significação pela linguagem. O intelecto desperta com a separação da vida relativamente ao solo originário, e este ato é ao mesmo tempo escolha e pensamento – que se manifesta sob a forma de rituais de adoração. Jogos estéticos, éticos e epistêmicos passam a organizar enunciados e comportamentos estéticos, éticos e epistêmicos, em que a escolha e a vontade têm um papel fundamental (Moreno, 2001, p.235).

É este trabalho da linguagem, que envolve a incorporação de fragmentos do empírico, que mostra seu aspecto, digamos, “cognitivo”. De resto, estes enunciados têm uma função essencialmente normativa, ou seja, trata-se de proposições gramaticais, e não empíricas. Agir eticamente, portanto, é ser guiado voluntariamente 12 por estas regras, quando o sujeito se torna capaz de optar por uma ação ou outra, no espaço regulado por elas –o que supõe a operação epistêmica elementar de formulação e de aplicação de regras.

No âmbito da atividade filosófica, a ação ética de Wittgenstein se traduz no seu método terapêutico que tem como finalidade a dissolução das confusões filosóficas de seu tempo, presas a imagens que fixam nossa vontade gramatical 13 . Assim, através deste método vemos que qualquer argumentação a favor ou contra certos valores está apoiada em pressupostos linguísticos de natureza convencional, não há uma fundamentação última e universal, comum a todas as formas de vida, como insistimos no item anterior. Portanto, qualquer generalização seria uma atitude eticamente condenável,

a saber, generalizar o que sabemos ser o fruto de uma construção linguística culturalmente datada, mas que é apresentada como sendo a verdade absoluta, o fundamento definitivo. (…) A passagem pela terapia revela a natureza da verdade e dos fundamentos, e qualquer pretensão à generalização, nesse caso, não será ingenuidade ou falta de perspicácia, mas, no melhor dos casos, descuido para com as próprias imagens ou, então, vontade de dominação (Moreno, 2001, p. 264).

Este havia sido um outro equívoco de Frazer, a generalização de um método de descrição para a interpretação de comportamentos que pareciam ser estranhos aos nossos, como se os modelos da ciência de sua época fossem descrições mais legítimas das realidades observadas. Penso que a terapia da atitude cientificista do antropólogo possibilitou Wittgenstein a identificar e combater outros tipos de dogmatismos, que se encontravam também nas obras de outros pensadores, quando privilegiavam um ponto de vista como sendo o correto, ou o verdadeiro. Mesmo no caso de alguns deles, como Spengler, o terem influenciado de outras maneiras.

Nós só podemos mesmo evitar a injustiça –ou a vacuidade das nossas afirmações, no momento em que colocarmos o ideal na nossa reflexão como aquilo que ele é, a saber, como objeto de comparação –por assim dizer, como padrão de medida– no interior do nosso modo de ver as coisas, & não como o preconceito ao qual tudo deve se conformar. Este é, na verdade, o dogmatismo no qual a filosofia tão facilmente pode decair. Mas então qual é a relação entre uma reflexão como a de Spengler & a minha?

A injustiça de Spengler: O ideal nada perde da sua dignidade se ele for colocado como princípio da forma de reflexão. Uma boa unidade de medida (CV, pp. 30-31).

Spengler também teria sido cientificista como Frazer, ao propor um modelo ideal de evolução de uma sociedade, para a qual todas as outras se afastariam ou se aproximariam em maior ou menor grau. Do mesmo modo, Goethe também teria incorrido no mesmo erro, ao postular modelos paradigmáticos absolutos para representar o mundo empírico, tal como a planta arquetípica em relação à qual todas as outras plantas se assemelhariam ou se diferenciaram entre si 14 . Embora ambos pensadores tenham inspirado fortemente Wittgenstein em seus procedimentos metodológicos, para o filósofo não haveria um modelo paradigmático privilegiado para compreender uma determinada sociedade ou para descrever uma planta, do qual os demais derivariam. O modelo é apenas um objeto de comparação, um princípio que seguimos de natureza convencional. Deste modo, seu método terapêutico se afasta de uma explicação naturalista, possibilitando, entre outras finalidades, a compreensão de como se dá a transposição do abismo entre linguagem, pensamento e mundo, ao dirigir o olhar de seu interlocutor para as inúmeras concatenações possíveis entre os diferentes modos de vida. E é neste sentido que podemos falar em compreensão de outras culturas: este processo se dá à medida em que vamos estabelecendo ligações internas entre elas e o nosso próprio modo de ver as coisas.

O conceito de apresentação panorâmica tem para nós a mais fundamental importância. Ele marca a nossa forma de apresentação, a maneira como nós vemos as coisas. (Uma espécie de “visão de mundo” tal como é aparentemente típica do nosso tempo. Spengler) Esta apresentação panorâmica proporciona a compreensão, que consiste precisamente em “ver as concatenações”. Daí a importância do encontrar os elos intermediários (OROF, pp. 200-1).

Para exemplificar o que seriam estes elos intermediários, Wittgenstein tece uma analogia do campo dos fatos com a geometria. Neste campo formal, recorremos a técnicas geométricas para mostrar relações internas entre seus objetos ideais, por exemplo, como podemos passar do círculo para a elipse:

Um elo intermediário hipotético, entretanto, nada deve fazer nesse caso senão dirigir a atenção para a semelhança, para a concatenação, entre os fatos. Como se uma pessoa, quisesse ilustrar uma relação interna da forma circular com a elipse, e transformasse gradualmente uma elipse num círculo; mas não para afirmar que uma certa elipse factualmente, historicamente, teria se originado de um círculo (hipótese evolutiva), senão somente para aguçar nosso olho para uma concatenação formal.

Mas eu posso ver também a hipótese evolutiva como um Nada além, como uma vestimenta de uma concatenação formal (OROF, p. 201).

Retomando a crítica de Wittgenstein às explicações de Frazer sobre os comportamentos dos povos descritos, considerados pelo antropólogo como supersticiosos e mágicos, veremos que seus modos de agir não se distanciam tanto assim dos nossos, se disponibilizarmos nossa vontade para estabelecer estes elos.

Frazer: “… That these observances are dictated by fear of the ghost of the slain seems certain;…” (“…Que essas observâncias sejam ditadas pelo medo do fantasma do assassinado, parece certo;…”) Mas então por que usa Frazer a palavra “ghost” (fantasma)? Ele compreende, portanto, muito bem esta superstição, já que ele nos explica o que ela é com uma palavra supersticiosa e familiar para ele. Ou antes, ele teria que poder ver que também fala em nós algo em favor do modo de agir dos selvagens. – Quando eu, que não creio que haja em qualquer parte seres humanos sobre-humanos que possam ser chamados de deuses – quando digo: “temo a vingança dos deuses”, isso mostra que eu (posso) quero dizer algo com isso, ou posso dar expressão a um sentimento, que não está necessariamente ligado àquela crença (OROF, p. 199).

Assim, do mesmo modo que através de procedimentos geométrico podemos ver relações internas entre o círculo e a elipse, nas descrições de rituais que nos parecem estranhos, ou mesmo aterrorizantes, as palavras “fantasma” e “sombra” desempenham o papel de elo intermediário entre nós e a forma de ver das comunidades descritas por Frazer: “(…) nada mostra melhor nosso parentesco com aqueles selvagens do que Frazer ter à mão uma palavra tão familiar para ele e para nós como “ghost” (fantasma) ou “shade” (sombra), para descrever a maneira de ver daquela gente” (OROF, p. 201).

De uma perspectiva wittgensteiniana, os rituais são a condição do que faz sentido e o que não faz sentido. Obviamente que na nossa cultura não adotaríamos determinadas práticas, consideradas por vezes bárbaras e aterrorizantes, como alguns dos rituais descritos por Frazer. Mas não porque seriam ininteligíveis para nós, tanto é que reagimos com horror e assombro, na medida em que estas ecoam em nós. Nossa linguagem abriga palavras, como assassinato, culpa, alma, fantasma etc., que permitem sim, uma compreensão do que se passava há tantos anos atrás. Através de elos intermediários, do mesmo modo que a elipse vai se configurando um círculo, somos capazes de ver as conexões dos rituais destes outros povos, aparentemente tão distante dos nossos, com as nossas próprias práticas ritualísticas; as quais não são verdadeiras nem falsas, apenas condições de sentido para nossas ações no mundo empírico e para o que passamos a dizer sobre ele. Estes rituais desempenham o papel de razões para as nossas descrições do mundo, se configuram como relações de sentido, e não de causa e efeito como ocorre no campo das ciências naturais.

Uma criança em uma comunidade muito distante da nossa, seja no tempo ou no espaço, apenas age no interior dos jogos de linguagem em que está sendo introduzida, aprendendo a seguir regras, na maior parte das vezes tácitas, que delimitam o campo do que faz sentido, e do que não faz sentido. Não diz “a verdade”, apenas diz. É só bem depois que aprende a diferenciar enunciados verdadeiros dos falsos, como fazem os cientistas, e gradativamente, em nossa forma de vida ocidental, vai-se cristalizando em seu comportamento o ritual de se dizer predominantemente a verdade, sendo introduzida, assim, a um dos jogos de linguagem da ética, dentre outros possíveis.

Em que medida, então, as observações de Wittgenstein esclarecem o papel dos rituais no campo da educação? Quais seriam as contribuições de seu método terapêutico para a dissolução de confusões advindas de um olhar cientificista na pesquisa educacional? Tampouco no campo educacional se pode abstrair a linguagem da sua prática, das circunstâncias em que está sendo usada, apresentando os fundamentos do sentido como se fossem universais e absolutos, como o cientificismo da época de Wittgenstein o fez ao tratar a verdade, a felicidade e o conhecimento como “valores a serem obtidos através do acúmulo de resultados eficazes e de bens de consumo” (Moreno, 2001, p. 269).

Nos dias de hoje, poderíamos acrescentar, vivemos a exigência do quantitativo em detrimento do qualitativo, a velocidade dos dados em oposição ao tempo de maturação, ou ainda, o produtivismo cada vez mais exacerbado toma o lugar da reflexão e do aprofundamento. Uma das consequências desta racionalidade dogmática e pragmatista é o esvanecimento de nossos rituais, os quais, de uma perspectiva wittgensteiniana, são o que permite o distanciamento que constitui o humano em nossa vida animal. Dito de outro modo, o culto ao carvalho praticado pelos “selvagens” tem sido substituído aceleradamente pelo seu corte e imediato consumo pelos ditos “civilizados”. E é este contexto neoliberal que tem guiado as pedagogias vigentes no mundo contemporâneo, cujas diretrizes têm priorizado as demandas políticas e econômicas de um mundo denominado pós-moderno e globalizado, propondo-se práticas que têm como finalidade última a inserção do aluno em um mercado de trabalho que muda constantemente e de modo acelerado. A palavra de ordem passa a ser o desenvolvimento de competências, visando a formação de alunos aptos e suficientemente flexíveis para se adaptar a este mundo em contínua e acelerada transformação.

Assim, também no campo da educação naturaliza-se processos que são de natureza convencional, como se as determinações econômicas coincidissem com as finalidades da educação. O modelo neoliberal passa a ser o objeto de comparação, para o qual todos os outros devem se aproximar e/ou se ajustar. Como se fosse a descrição legítima e correta da realidade, “ao qual tudo deve se conformar”. Como então combater esta nova forma de dogmatismo que vem se instaurando insidiosamente nas práticas pedagógicas vigentes?

Embora não tenhamos a pretensão de propor um novo modelo pedagógico a partir das considerações acima, que pudesse substituir as diretrizes educacionais atreladas ao sistema político neoliberal predominante em nossas formas de vida ocidentais, não obstante, acreditamos na possibilidade de pedagogias que tenham passado pelo crivo da terapia filosófica de Wittgenstein, ou seja, pedagogias em que o professor tenha a autonomia para persuadir o aluno a mudar a sua vontade e, assim, deslocá-lo de sua posição dogmática perante os fatos do mundo.

Considerações finais: apontamentos para uma pedagogia “terapeutizada”

Como vimos, o método terapêutico de Wittgenstein que recorre à visão panorâmica, com inspiração em Goethe e Spengler, tem uma finalidade ética, a saber, nos mostra como nossas formas de representação estão correlacionadas às nossas formas de vida, não havendo um fundamento original, comum a todas elas (como seria a planta arquetípica de Goethe), mas um jogo de linguagem (imaginado ou não) que pode servir como objeto de comparação, apresentando semelhanças e diferenças entre todas estas formas, sem que haja um modo privilegiado ou mais fundamental que estivesse por trás de todas elas. Os métodos propostos por Goethe e Spengler, cada um a seu modo, inspiraram Wittgenstein a formular seu próprio método: o estabelecimento de comparações e analogias, mas à diferença de seus antecessores, procedendo de modo dinâmico, a saber, o objeto escolhido para comparação também é móvel, poderia ser outro, não é mais fundamental do que qualquer outro dos objetos comparados. Apenas exerce terapeuticamente, i.e., com a função metodológica, a função de paradigma, de modelo para comparações. A dificuldade que surge, no entanto, é levar o interlocutor a aceitar determinadas comparações. Do mesmo modo que o Sócrates platônico empregava a primeira fase da maiêutica 15 para convencer seus interlocutores de que “só sei que nada sei”, como condição para avançar no interrogatório, Wittgenstein também tinha consciência de que precisava vencer as barreiras da vontade de seus interlocutores, persuadindo-os a ver de outros modos o que até então, parecia a eles ser a única possibilidade de compreensão. Embora não haja garantias de sucesso, este método panorâmico tem como finalidade levar o interlocutor a ver de outros modos, combatendo-se, assim, o dogmatismo das imagens que carregamos dentro de nós.

As implicações éticas deste eventual “descuido para com as próprias imagens”, a nosso ver, se mostram na crítica que Wittgenstein fez ao antropólogo, em suas considerações terapêuticas ao longo das Observações sobre “O Ramo de Ouro" de Frazer, tendo como alguns de seus resultados distinções fundamentais para se pensar criticamente as relações de dominação, tais como, pensamento e ação, motivos e causas, persuasão e convencimento, entre outras, apontando-se, assim, para alguns modos de combate ao dogmatismo. No entanto, segundo Moreno:

A filosofia como terapia pode agir sobre o pensamento, não diretamente sobre a ação. Pode mudar nossa maneira habitual de pensar os problemas filosóficos, dissolver as confusões que daí passam a afligir-nos e, com isso, mudar nossas maneiras de julgar as próprias formas de vida – o que terá consequências sobre a vontade de pensar formas de vida diferentes das nossas, admitindo e respeitando suas próprias gramáticas; cura, por assim dizer, pela diferença. A persuasão não mais repousa sobre razões, contrariamente ao convencimento pela prova e pela demonstração; ela repousa sobre motivos os mais heterogêneos, tais como utilidade, eficácia, comodidade, elegância, economia, por exemplo, de novas provas e demonstrações, ou de uma nova concepção de verdade, como também sobre motivos estéticos e éticos (2001, p. 268).

Assim, são vários os critérios que dispomos para persuadir o interlocutor a sair de sua posição dogmática. No âmbito da educação, o professor teria uma tarefa análoga, na medida em que uma das finalidades do ensino é levar o aluno a ver de outras perspectivas conteúdos que já tinham um determinado uso em seu cotidiano. No entanto, ao longo da atividade docente o professor também transmite imagens que deveriam passar pelo crivo da terapia filosófica, no sentido de que não deveriam se sobrepor dogmaticamente aos usos prévios que o aluno faz dos conceitos. A finalidade do ensino deve ser a expansão dos sentidos que estão sendo constituídos pelo aprendiz, relacionando-se novos aspectos dos conceitos com outros que este já domina, como a passagem do círculo para a elipse mencionada acima por Wittgenstein (OROF, p. 201). E não a mera substituição de um uso do conceito por outro, ou ainda, priorizando um dos sentidos em relação a outros, independentemente do contexto de uso.

Do mesmo modo que em sua atividade filosófica Wittgenstein propõe uma atitude ética que preserve o terapeuta do dogmatismo, exercendo, portanto, constantemente uma autoterapia e para isto, dispondo sua vontade para deixar-se persuadir; no campo educacional recoloca-se a questão nos seguintes termos: de que modo o professor “terapeuta” pode levar o aluno a uma atitude similar, a saber, como introduzir novas perspectivas e diferentes pontos de vista que venham a substituir as imagens que o aluno traz para dentro da escola, de modo a persuadi-lo, e não necessariamente convencê-lo, a mudar sua maneira de considerar determinadas situações? E mais, como vencer as barreiras da vontade do aluno, sem coagi-lo para tal? Como intervir na vontade do aluno 16 ?

Penso que estes são alguns dos desafios de um professor comprometido com a formação de espíritos críticos e livres: a mudança da atitude dogmática que organiza a experiência por uma atitude exploratória e reflexiva, em que a palavra de ordem deixa de ser a dominação do outro, para dar lugar à multiplicidade e expansão de nossas formas de vida. Penso ser esta a tarefa ética da escola nos dias de hoje, como medida preventiva contra as decisões de caráter dogmático que têm assolado nossos sistemas educacionais. Por exemplo, quando se preconiza o desenvolvimento de competências exigidas pelas demandas econômicas e políticas deste mundo globalizado, reduzindo o ensino a um único modelo pedagógico, que pretensamente seria o mais legítimo. Todo um saber escolar adquirido através de suas práticas cotidianas tem sido preterido ou simplesmente ignorado. Desconsidera-se, assim, os diferentes modos ritualísticos através dos quais um indivíduo é introduzido aos jogos de linguagem de sua comunidade, através dos quais, passa a atribuir sentido aos fatos do mundo que o rodeia. Ritos que muitas vezes passam desapercebidos, mas que são a base para a constituição de novos sentidos, modificando-se, assim, o modo de pensar do aluno.

Segundo Wittgenstein: “Poder-se-ia também dizer que um homem pensa quando aprende de um determinado modo” (Z, § 105). Neste processo de aprendizagem, que muitas vezes envolve a memorização, a repetição, e outras técnicas de ensino que nem sempre são explicitadas, mas que fazem parte do cotidiano da escola, novos modos de pensar são introduzidos pelo professor. A relação pedagógica é fundamental para persuadir o aluno a modificar o seu modo de ver as coisas, através dos novos conteúdos que são apresentados a ele. E o modo como estes conteúdos são introduzidos desempenha um papel análogo aos rituais descritos por Frazer, passam a ser as condições de sentido para novos “descolamentos” do mundo, em que novos pontos de vista são apresentados para a sua compreensão. Deste ponto de vista, o papel do professor seria o de engajar os alunos a escolher e partir de “outras árvores” do bosque de conhecimentos em que estes estão sendo introduzidos. E isto se dá basicamente através de um processo de persuasão, e não de um convencimento a partir de fundamentos supostamente definitivos.

Por exemplo, a competência da argumentação tem sido apresentada como a mais fundamental de todas, na medida em que deste modo o aluno seria capaz de articular ideias de modo sistemático em qualquer campo do conhecimento em que fosse alocado no futuro, tendo em vista as rápidas mudanças do mercado de trabalho. No entanto, como já apresentamos anteriormente (Gottschalk, 2012, 2015, 2016), a capacidade de argumentação, como outras competências almejadas nestas diretrizes educacionais de cunho neoliberal, está intrinsecamente ligada ao conhecimento que está sendo adquirido. Não há um modo de argumentação mais fundamental, tendo como modelos os processos dedutivos e indutivos das ciências, e tampouco é viável um ensino de técnicas de argumentação independentemente do conteúdo das disciplinas ministradas. Se levarmos a sério a observação de Wittgenstein de que pensar é aprender de um determinado modo, diferentes racionalidades são possíveis a partir da forma como os conteúdos são transmitidos pelo professor. Os rituais empregados na atividade de ensino irão cristalizar diversos modos de argumentação que não se reduzem a um determinado esquema argumentativo previamente aprendido. Apenas um gesto pode ser a argumentação decisiva para persuadir alguém de algo, como aconteceu com o próprio Wittgenstein segundo seus biógrafos, em uma conversa com seu amigo economista Saffra 17 . Outros exemplos podem ser dados nas mais diversas atividades de nossa vida, na música, na arte, no esporte, na literatura, na história…

Referências

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GOTTSCHALK, Cristiane Maria Cornelia. 2016. Teaching critical thinking: The struggle against dogmatism. Educational Philosophy and Theory. DOI: 10.1080/00131857.2016.1168731

KUUSELA, Oskari. 2008. The struggle against dogmatism. Wittgenstein and the Concept of Philosophy. Cambridge, Massachussetts: Harvard University Press.

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Notas

1 A terapia filosófica de Wittgenstein é um “método” que desenvolveu influenciado, em parte, pelas ideias de Goethe, Spengler e de Freud. Cf. Moreno (2001, 2005, 2009), Baker (2003).

2 Devo meu interesse a este tema do cotidiano escolar à obra do educador brasileiro José Mário Pires Azanha, em particular, Uma Ideia de Pesquisa Educacional, na qual nos chama a atenção para a importância da descrição de suas práticas intramuros, como condição para a compreensão e elucidação de seus problemas. Cf. Azanha (1989, 2005).

3 Sobre as implicações éticas desta interpretação, ver Moreno (2001, p. 175).

4 Designaremos daqui por diante as Observações sobre “O Ramo de Ouro” de Frazer pela sigla OROF, Cultura e Valor por CV, Blue and Brown Books por BB, Zettel por Z, e Investigações Filosóficas por IF.

5 Forma de vida é uma expressão usada por Wittgenstein na segunda fase de seu pensamento, sem tê-la definido em nenhum momento, tratando-se, portanto, de um termo polêmico entre seus comentadores. Neste artigo utilizarei este termo não apenas no sentido de diferenciar a forma de vida humana da de outros animais, mas também para designar os modos de vida de diferentes culturas e civilizações, no tempo e no espaço. Daí que, “forma de vida” e “modo de vida” terão sentidos bastante próximos ao longo deste texto.

6 Frazer descreve este ritual em seu livro The Golden Bough, com as seguintes palavras: “It is a plausible theory that the reverence which the ancient peoples of Europe paid to the oak, and the connexion which they traced between the tree and their sky-god, were derived from the much greater frequency with which the oak appears to be struck by lightning than any other tree of our European forests. This peculiarity of the tree has seemingly been established by a series of observations instituted within recent years by scientific enquirers who have no mythological theory to maintain. However we may explain it, whether by the easier passage of electricity through oak-wood than through any other timber, or in some other way, the fact itself may well have attracted the notice of our rude forefathers, who dwelt in the vast forests which then covered a large part of Europe; and they might naturally account for it in their simple religious way by supposing that the great sky-god, whom they worshipped and whose awful voice they heard in the roll of thunder, loved the oak above all the trees of the wood and often descended into it from the murky cloud in a flash of lightning, leaving a token of his presence or of his passage in the riven and blackened trunk and the blasted foliage. Such trees would thenceforth be encircled by a nimbus of glory as the visible seats of the thundering sky-god. Certain it is that, like some savages, both Greeks and Romans identified their great god of the sky and of the oak with the lightning flash which struck the ground; and they regularly enclosed such a stricken spot and treated it thereafter as sacred. It is not rash to suppose that the ancestors of the Celts and Germans in the forests of Central Europe paid a like respect for like reasons to a blasted oak”. (pp. 809-10) Acessado em 01-07-2016 através do link: http://intersci.ss.uci.edu/wiki/eBooks/BOOKS/The%20Golden%20Bough%20Frazer.pdf

7 Os manuscritos de Wittgenstein foram revisados por ele próprio inúmeras vezes, o que foi mantido em algumas publicações de seus pensamentos. Em suas observações sobre O Ramo de Ouro de Frazer, tendo em vista uma maior fluidez da leitura destas passagens de Wittgenstein, retirei as variantes presentes em suas formulações originais, mantendo apenas as que julguei mais pertinentes para a temática em questão.

8 Neste parágrafo Wittgenstein faz a seguinte afirmação: Se esgotei as justificativas, cheguei então à rocha dura, e minha pá se entorta. Estou inclinado a dizer então: “É assim mesmo que ajo. ” (Lembre-se de que às vezes exigimos explicações não por causa de seu conteúdo, mas por causa da forma da explicação. Nossa exigência é uma exigência arquitetônica; a explicação é uma espécie de moldura fictícia sem conteúdo.) (IF, §217).

9 Dentre os filósofos da ciência que se contrapuseram ao que se denomina de “received view”, ou seja, a visão clássica de ciência tributária das ideias de Francis Bacon em sua obra Novum Organum, mencionamos Kuhn e Feyerabend, que escreveram, respectivamente, os clássicos A Estrutura das Revoluções Científicas, e Contra o Método.

10 No original: In unserer Sprache ist eine ganze Mythologie niedergelegt.

11 Esta foi primeira obra publicada de Wittgenstein, cujas ideias ficaram sendo conhecidas como pertencentes à primeira fase de seu pensamento.

12 Segundo Moreno, “o caráter voluntário de uma ação manifesta-se através do contexto institucional em que têm sentido as expressões linguísticas de ações voluntárias: uma ação será considerada voluntária se for acompanhada de gestos característicos de assentimento ou recusa, de expressões linguísticas que pressupõem a presença de uma “vontade” a ser vencida, por exemplo, ‘venha aqui!’ etc., mas não de ordens que não a pressuponham, por exemplo, ‘faça bater seu coração’, ‘sinta agora uma dor nos dentes’ etc.” (2001, p. 252)

13 Ainda nas palavras de Moreno: “A terapia filosófica é uma luta contra as imagens que fixam nossa vontade gramatical, ou melhor, contra o consenso intersubjetivo que se torna dogmático ao procurar fundamentos extralinguísticos para o sentido da experiência” (2001, p. 257).

14 Em suas sucessivas tentativas de explicitar seu método para Friedrich Waismann (físico que pertencia ao Círculo de Viena e que havia compilado notas ditadas por Wittgenstein a outros membros deste círculo no início da década de trinta, em particular para Moritz Schlick), Wittgenstein aproxima-se da abordagem de Goethe para estudar os fenômenos físicos, que diferentemente de Darwin, propunha uma visão sinóptica dos fenômenos. Para Goethe, no caso do reino vegetal, “todos os órgãos de uma planta são folhas transformadas”, ou seja, este seu aforismo nos fornece um princípio através do qual é possível agrupar os órgãos das plantas de acordo com sua similaridade, como se apenas estivessem em torno de um caso central. Este método irá também inspirar Wittgenstein, na medida em que não se vê a planta arquetípica, mas apenas o que se poderia chamar de evidências para tal, o que, analogamente, permitirá ao filósofo situar uma forma linguística em seus arredores, olhando para a gramática de nossa linguagem sob o pano de fundo de jogos similares e relacionados entre si, eliminando-se, assim, a inquietação (Baker, 2003, p.311).

15 Também conhecida como a fase da ironia socrática.

16 Segundo Moreno, a preocupação docente de Wittgenstein era a “de fazer algo para intervir na vontade dos interlocutores, levando-os a fazer algo que não quisessem fazer –ainda que não mudassem suas crenças–, a saber, tratava-se de persuadi-los a perceber novos pontos de vista, e não de convencê-los da verdade através da apresentação de razões ou fundamentos definitivos. A ação terapêutica deveria incidir sobre a vontade e ter como resultado uma ação voluntária nova por parte dos interlocutores: admitir e respeitar novos pontos de vista sobre o sentido dos conceitos.” (2001, p. 279).

17 Segundo reza a lenda, Wittgenstein teria sido dissuadido de suas principais teses apresentadas no Tractatus Logico-Philosophicus, sua primeira grande obra, a partir de uma conversa com seu amigo italiano Piero Sraffa, que teria respondido à argumentação de Wittgenstein sobre a forma lógica da linguagem e do mundo com um expressivo gesto napolitano de passar a mão no queixo, perguntando em seguida qual seria a forma lógica disto. Cf. Monk (1995).

Autor notes

[1] Doutora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). Mestrado em Matemática Aplicada. Doutorado na área de Filosofia da Educação. Pós-doutorado em Filosofia da Educação. Pesquisadora do grupo “Filosofia da Linguagem e do Conhecimento” e coordenadora do grupo “Filosofia, Educação, Linguagem e Pragmática”, cadastrados no diretório dos grupos de pesquisa do CNPq; e membro do núcleo de sustentação do GT-Wittgenstein da ANPOF.

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